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Abril 10, 2017
Entrevista: Wagner Ferreira dos Santos
HF Brasil entrevista um dos idealizadores da CSA no Brasil, tema de capa da edição de abril

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A Hortifruti Brasil entrevistou Wagner Ferreira dos Santos*, um dos idealizadores da CSA (Comunidade que Sustenta a Agricultura), tema de capa da edição de abril. Confira tudo sobre como surgiu as CSAs no Brasil, nova modalidade de negócio que pode ser uma alternativa para o pequeno produtor e à agricultura familiar. 

 

Hortifruti Brasil: Como um dos fundadores da CSA Brasil, qual foi sua principal motivação para iniciar o projeto no País?
Wagner Ferreira dos Santos: Sempre estive muito ligado a iniciativas a respeito de sustentabilidade, agroecologia, economia solidária e alimentação saudável, mas sentia que tudo ficava no campo das ideias. Quando ouvi o conceito da CSA, que é bem simples, pensei: “Poxa! É isso!” Minha principal motivação foi participar de algo concreto que realmente contribui para proteção do meio ambiente, que tem respeito pelos seres humanos que vivem e trabalham ali, respeito aos animais, enfim, respeito à Mãe Terra. O principal objetivo é dar apoio direto àquele que traz “comida de verdade” às nossas mesas, que é o pequeno agricultor familiar, cada vez mais oprimido e sem apoio. Quando vi que isso era bom para mim, para minha família e para as pessoas que participavam, pensei: “Por que não divulgar isso para que mais pessoas e outras localidades possam vivenciar essa mesma atividade e forma de relacionamento?” E assim eu e um grupo de amigos decidimos criar a CSA Brasil para poder disseminar essa ideia. Não queríamos mais apenas uma “comunidade”. Queríamos “comunidades que sustentam a agricultura” (CSA). 

HF Brasil: Qual foi a percepção dos primeiros coagricultores e produtores convidados a participar? Tendo em vista o custo, sustentado pelo próprio consumidor, como convencê-lo a fazer parte de uma CSA?
Santos: Muitos que tomam conhecimento dessa ideia, a princípio, dizem: “mas isso dá certo na Alemanha!” (país de onde a ideia foi trazida para o Brasil) ou, ainda, “brasileiro gosta de levar vantagem em tudo, isso jamais funcionará aqui!”. No começo foi um trabalho de formiguinha, de muita conversa, explicação, reuniões e discussões de princípios. Depois de muitas articulações, vinham as perguntas-chave por parte dos consumidores pré-convencidos – “qual é o preço?”; “quanto vou desembolsar por mês para participar disso?” – e também dos agricultores – “quanto vou receber?” E é assim em qualquer lugar onde você faz as articulações para iniciar uma CSA, salvo algumas exceções. A maioria vem participar considerando a proposta interessante, mas é atraída pelo preço. O valor monetário que é percebido nessa relação traz de forma concreta um benefício para o bolso do participante. O consumidor paga mais barato, pois não tem os custos embutidos de diversos atores da cadeia (como intermediários e logística). E, igualmente, para o agricultor representa a possibilidade de entregar diretamente sua produção ao consumidor final, com a certeza de que tudo o que está plantando hoje já tem uma “boca” para consumir e não haverá perdas. Como dizemos em uma CSA, “estamos querendo sair da cultura do preço para a do apreço!” Quando as pessoas começam a participar e a ter contato com toda a diversidade agrícola, conhecendo aquele que cultiva os alimentos e passam a ter conhecimento do quão nobre e difícil é este trabalho, aos poucos, vamos tendo cada vez mais apreço dentro de uma CSA. 

HF Brasil: Como e onde captar potenciais coagricultores? O que os motiva a aderir? Qual o perfil deste consumidor?
Santos: Por meio do contato direto com pessoas próximas; em feiras livres, convencionais e/ou orgânicas; em academias, consultórios médicos e de nutricionistas; em escolas que tenham como filosofia ou linha pedagógica vertente ligada a ações envolvendo a natureza e alimentação (como as Waldorf); em restaurantes vegetarianos, veganos ou que prezem por uma alimentação natural. É possível captar coagricultores até mesmo em grupos religiosos com filosofia que envolva uma alimentação natural e respeito ao meio ambiente (como a Igreja Messiânica e a Católica, que, neste ano, trabalha com um tema relacionado a esse aspecto na Campanha da Fraternidade). A motivação para adesão vem ou por princípios ou pelo bolso (preço). O apreço vem na sequência. O perfil deste coagricultor é variado. 

HF Brasil: E em relação ao produtor, como abordá-lo e convencê-lo a participar? Como é feita a escolha do produtor de uma CSA? Qual é o perfil deste produtor brasileiro que adere à CSA?
Santos: A abordagem, muitas vezes, traz de forma clara para o produtor que o foco dele, participando de uma CSA, será apenas o cultivo. Todas as outras atividades relacionadas ao caminho que a produção terá que percorrer, da horta até a mesa das pessoas, quem vai fazer é o coagricultor. E, de forma direta, sem ter um atravessador, com a certeza de que aquilo que está sendo plantado hoje já tem uma casa que vai receber. E mais, já está pago, visto que, em uma CSA, o princípio é que temos que investir primeiro para depois termos o alimento. A alface que chega à mesa de uma pessoa hoje, por exemplo, teve que ter recursos financeiros investidos há pelo menos 60 dias para poder estar ali. Em relação ao perfil, cada CSA é única, formada pelas pessoas que convivem naquela localidade. Então, a escolha vai ser um trabalho de se aproximar de potenciais agricultores da sua região, conversar, conhecer e avaliar qual seria o mais indicado para atender o grupo. Isso é uma questão de simpatia mesmo. E, se o impulso nascer do próprio agricultor, ele é que vai começar a procurar amigos para se tornarem coagricultores. O perfil dos agricultores vinculados às CSAs é bem variado. Um ponto comum é que todos são pequenos agricultores e vêm da agricultura familiar, normalmente ligados à agricultura natural (biodinâmica, orgânica, agroecológica). A maior parte, ainda, estava desanimada com as oscilações do preço no mercado tradicional.

HF Brasil: O projeto tem maior adesão nos grandes centros urbanos ou no interior? Tem alguma mudança em relação à estrutura de trabalho entre uma e outra?
Santos: A maior adesão inicial foi nos grandes centros urbanos – cidades médias e grandes, não só capitais –, mas, hoje, também temos CSAs em cidades menores. A estrutura de trabalho é a mesma. Em grandes centros (metrópoles), como é o caso de São Paulo, a estrutura de logística funciona com entregas de porta em porta. O agricultor leva os alimentos para um determinado ponto, onde um coagricultor recolhe e faz o serviço de levar as cestas para membros que moram no caminho por onde ele passa. É aquele trabalho de ajudar um amigo, ou seja, aproveitar a logística em benefício do próximo. Nas cidades menores, isso também acontece, mas o mais comum é a existência de um ponto de entrega que, geralmente, está próximo às casas ou trabalho dos coagricultores que participam daquela CSA e cada um vai até esse lugar central para pegar seus alimentos.

HF Brasil: Vimos que as regiões do Centro-Sul têm um elevado volume de CSAs. Por que o projeto ainda não tem tanta adesão no Norte e Nordeste?
Santos: A primeira CSA no Brasil surgiu em Botucatu (SP), no bairro Demétria, em 2011. O esquema inicial foi o mesmo daquele utilizado para conseguir mais coagricultores, ou seja, boca a boca e conversas com amigos. Algumas pessoas em visita à Botucatu viam essa realidade de CSA acontecendo e quiseram levar isso para os locais onde moram. Com a ajuda de alguns membros da CSA Demétria, a CSA se espalhou por 5 localidades: Maria da Fé (MG) e nas cidades paulistas de Campinas, São Paulo, Bauru e São Carlos. Esse processo de criação de novas unidades dependia da ação de algum membro coagricultor de Botucatu conversar com os membros de outras localidades para articular essa criação por lá. O principal desafio nessa formação de comunidade é trabalhar uma transformação de relação antiga e enraizada em nossa sociedade – a relação consumidor x produtor.  Então, é um trabalho de conquista e relacionamento baseado na confiança e comprometimento mútuo. Foi após essas 5 unidades estarem funcionando que surgiu a CSA Brasil em 2013, como uma associação sem fins lucrativos. Nossas primeiras ações foram reunir todo os princípios que regem nosso trabalho e depois todas as perguntas e possíveis respostas daqueles que querem abrir uma nova CSA. Estruturamos tudo isso num curso de formação em 2014, que foi responsável pela expansão do número de CSAs pelo País. Já fizemos 8 cursos desde então. Por uma questão de proximidade e facilidade, naturalmente, tivemos mais participantes vindos do entorno de Botucatu. Assim, a maioria das CSAs surgiu no Sudeste e temos algumas unidades em outras regiões do País. A CSA de Brasília (DF), por exemplo, surgiu porque os articuladores estiveram em nossos cursos de formação e têm atuado fortemente por lá, divulgando e ampliando as unidades no planalto central. Inclusive, em 2016, levamos o curso de formação para lá e foi um sucesso, o que queremos repetir em 2017. Ainda temos pouca presença no Norte e Nordeste do Brasil, mas temos articuladores em Manaus e Recife que participaram do nosso curso. Nosso objetivo é, neste ano, levarmos os cursos até estas duas cidades a fim de ampliar a presença nessas regiões. Se ainda não há uma presença forte nessas localidades, isso acontece simplesmente porque ainda não foi possível atuarmos nesse sentido. 

HF Brasil: Quais desafios ainda devem ser superados para ampliar o conceito no Brasil?
Santos: Arrumar articuladores capacitados em diversas localidades do Brasil é nossa meta. Além disso, realizar os cursos em locais mais distantes de onde estão às CSAs atuais, buscando articuladores e multiplicadores. A CSA mais velha no Brasil vai completar 6 anos em junho de 2017, e a Associação CSA Brasil ainda é “bebê” (3 anos).  Temos uma estrutura enxuta, poucos recursos e contamos com o voluntariado. Cremos que a manutenção desse trabalho da CSA Brasil deva vir de nossas bases – coagricultores que participam de cada unidade. Nosso desafio é manter as unidades que estão funcionando firmes e fortes.

 

*Wagner Ferreira dos Santos é administrador e membro da CSA de Bauru (SP) desde 2012, onde atua como coagricultor e desempenha outras funções no Grupo do Coração (grupo de articulação da CSA local). Também é administrador financeiro da CSA Demétria, em Botucatu (SP). Foi um dos fundadores da CSA Brasil, iniciada em 2013, e atua como administrador, consultor e responsável pela criação, formação e docência dos Cursos de Formação em CSA promovidos pela entidade.

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